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Ao longe, pia o Jaó...

Entrou o outono com chuva fina de manhã e à tarde o sol vermelho se vai no poente com nuvens de todas as cores. Maritacas fazem ninho no beiral do prédio onde uma palmeira solitária deita cachos de cocos amarelo-ouro que caem no chão. A gente se lembra melancolicamente de outras tardes à beira-rio
quando peixes saltavam fazendo bolhas na água clara, flores roxas desciam devagar na corrente mansa e tranqüila junto aos aguapés floridos. Havia pássaros espanando a flor da água, aleluias e beija-flores no ar, borboletas azuis e uma vara, uma linha de pesca e um anzol enferrujado jaziam na terra úmida que as corruíras ciscavam em busca de pequenos insetos. Os ingás doces e macios
grudam no céu da boca, o zumbido de abelhas trabalhando nas corolas das flores é agradável como a voz da bemamada, mel para os ouvidos. Ao longe, um jaó pia chamando a companheira. Juvenil de Souza quer comprar
um pio de chamar mulher. Anzol traiçoeiro...
O primeiro peixe que pegamos era um lambari de rabo amarelo, desses que
vivem nos córregos aos cardumes, subindo e descendo num balé sem fim. Foi
com uma vara de taquara, ainda verde, a gente não sabia escolher direito, uma linha
de pouco mais de meio metro e um anzol mosquitinho, tudo mal amarrado
e sem nós de marinheiro. O peixe mordeu a isca - uma minhoca gorda e mole
arrancada debaixo do pé de banana – e levou para o meio do capinzal, do lado
do barranco. Puxamos a vara, assustado, e ele foi parar lá atrás, arfando de falta
de ar, pulando no chão sonhando água naquele deserto sem fim. Era maravilhoso,
branco, prateado, uma jóia de rara beleza, como todos os outros peixes que
viemos a pegar depois. A mão tremia de emoção incontida, como no primeiro
beijo do primeiro amor. Hoje, as mãos voltam a tremer, não da emoção do
primeiro peixe, do primeiro beijo e do primeiro amor, mas por causa do tempo
que passa e nos envelhece, deixando escondido lá longe, aquele peixe no
córrego de águas límpidas de cardumes brincando no sobe e desce da água de
prata na tarde caindo.

Juvenil de Souza explica
que o lambari inocente nunca
soube que quando escapa da
rede se pega no anzol.


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